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ARTIGO: “A abertura de escolas médicas – passivo moral e incompetência” – Cons. Otávio Marambaia

18 de outubro de 2023

 

Conselheiro e presidente do Cremeb, Dr. Otávio Marambaia

 

Há poucos dias uma alta autoridade desta República, tendo ao seu lado inerte e cúmplice uma médica e ministra da Saúde, anunciou o que foi tido como produto de “estudos” da equipe do arremedo de governo do qual participa. Tratava do anúncio da abertura de milhares de novas vagas para cursos de Medicina – desde para os cursos já existentes, como para outros novos que a medida descrita irá permitir criar.

Uma das alegações, seria nos equivaler ao índice de OCDE – organização que perseguimos participar e que, volta e meia, nos restringe essa possibilidade devido as nossas evidentes deficiências e insuficiências, neste e em outros predicados, para ser membro desta organização. Nosso passivo moral parece ser, no entanto, o maior entrave. A comparação numérica tem base na ideia de que se alcançarmos este índice teríamos saúde pública de qualidade no Brasil.

A sociedade brasileira – como sempre – na sua inércia, a tudo assistiu passivamente. Apenas as entidades médicas se manifestaram falando tal e qual João pregando no deserto…

Do que, na verdade, se trata esse anúncio feito pelo ministro da Educação?

1. UMA FALÁCIA: Não há relação direta entre número de médicos e a qualidade da saúde pública. É claro que não haver médicos na quantidade necessária compromete, mas não são números que nos farão chegar a qualidade do padrão OCDE. Especialmente, se profissionais mal formados e mal qualificados estiverem prestando assistência. Os números que temos hoje no Brasil já poderiam, dentro dessa ótica, nos colocar em igualdade de condições a países europeus, que têm saúde pública muito melhor e mais eficiente com números de médicos menor – em absoluto e no proporcional.

2. O PASSIVO MORAL: Está escancarado que se trata tão somente de dinheiro quando vemos que há um mercado efervescente precificando uma vaga de curso de medicina no valor de 1 milhão de reais. Vejamos o caso da Bahia: com 900 vagas liberadas somente para o nosso estado – isso equivale a quase 1 bilhão de reais numa disputa de grupos econômicos e políticos, onde o jogo jogado é bruto e corrupto, com a conivência dos próprios agentes governamentais. É imoral dizer que está em busca de melhorar a saúde pública quando se está, de fato, dividindo o butim entre “amigos”. O caso da Bahia, inclusive, nega o axioma do ministro: saímos de duas escolas e agora, que beiramos 30, a pergunta é: onde está a Bahia no cenário da saúde pública brasileira? Em primeiro lugar, nos piores índices, na envergonhada condição de campeã da mortalidade materno-infantil, na ineficiente e desumana assistência à saúde mental – aqui tratada como caso de polícia, de doenças controláveis e erradicáveis em continua progressão, e, se prosseguirmos, teríamos uma lista infindável e desmoralizante.

Os baianos e brasileiros penam continuamente em filas e emergências superlotadas. Em 10 anos, a Bahia quase dobrou o número de médicos e a saúde pública só piora.

3. INAÇÃO DA SOCIEDADE: Ao que parece, a sociedade brasileira e baiana, em particular, não se importa – ou não se deu conta – que o que está sendo feito põe em risco a sua segurança. A abertura indiscriminada de escolas médicas sem corpo docente qualificado e em número insuficiente, junto a ausência de campos de estágios (que permitam ao estudante o contato com os pacientes e, portanto, aprender Medicina), levará uma horda de indivíduos desprovidos de conhecimento científico e ético para prestar assistência sem a qualidade que cada pessoa merece e requer.

4. SOLUÇÃO? Não há mágica! Planejamento e gestão competentes com os olhos voltados para a atenção básica, melhoria contínua da infraestrutura, pacificação das relações de trabalho – com segurança jurídica e carreira para os médicos e demais profissionais de saúde – e investimento. Investimento em pessoal antes de se pensar em construção de estruturas, todas eivadas de suspeitas de favorecimento e corrupção. Pensar grande com políticas permanentemente avaliadas – sempre na perspectiva do longo prazo e que transcendam meros mandatos governamentais. O que temos visto é o contrário de tudo que a razão propõe. Há quase duas décadas uma mesma ideologia está dando as cartas e o quadro é desalentador. Essas medidas, como as anunciadas pelo ministro, visam ao fim e ao cabo transferir responsabilidades e são estratagemas para iludir e desviar a atenção para os resultados pífios alcançados.

É preciso retirar a politicagem das decisões da saúde e trazer para a gestão quem realmente entende o que fazer – baseado em fatos e dados e não em projetos de poder. Para tanto, é preciso que a sociedade brasileira acorde e se manifeste contra o absurdo que se perpetra contra a saúde pública do Brasil, onde a abertura indiscriminada de escolas médicas é a ponta do iceberg da incompetência e do passivo moral – que é a marca registrada de governos que se sucedem aqui e em Brasília.


Por Dr. Otávio Marambaia, médico otorrinolaringologista e presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado da Bahia (Cremeb).

 

O artigo foi veiculado na edição desta quarta-feira, dia 18.10, na versão online do jornal Correio* e na versão impressa do Jornal A Tarde.

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