Artigo: Exame de proficiência para os médicos brasileiros – Essencial para as boas práticas em Medicina
6 de março de 2025
O tema está em debate no movimento médico brasileiro desde os anos 1990 do século passado. Embora não houvesse consenso, até bem pouco tempo majoritariamente os dirigentes de entendidas médicas brasileiras rejeitavam a hipótese de se realizar um exame para aferir os conhecimentos dos egressos dos cursos de medicina brasileiro.
No Brasil existem dois precedentes para o tema, os graduados em direito e em contabilidade. Para os bacharéis em direito é possível exercer atividades complementares como assistente jurídico e correspondente jurídico. Para carreira de nível superior existe a possibilidade de seguir a carreira acadêmica ou prestar concurso para delegado de polícia. Para os contabilistas é exigido o certificado de aprovação no exame de suficiência, e somente poderá exercer a profissão contábil, em qualquer modalidade de serviço ou atividade, o contabilista registrado em Conselho Regional de Contabilidade.
Por oportuno, destaque-se que em 2011 o STF julgando Recurso Extraordinário (RE 603583) decidiu a unanimidade pela constitucionalidade da exigência do exame da OAB para os graduados em direito previsto na Lei 8.906/94. Naquela oportunidade o respeitável Ministro Carlos Ayres Brito proferiu em seu voto “que a exigência do exame da OAB atua em favor da ordem jurídica e do interesse público, sendo consequência da própria Constituição Federal.”
Para a situação dos graduados nas escolas médicas é necessário alguns cuidados, posto que no cenário em discussão poderão se graduar e não exercer a medicina. Este é o grande dilema. Entretanto, não devemos nos afastar do atendimento com segurança para a população brasileira, sobretudo aqueles que dependem do sistema público.
O Conselho Federal de Medicina apresentou ano passado a Radiografia das Escolas Médicas que nos traz dados intrigantes. Em abril de 2024 existiam no Brasil 390 escolas médicas, formando 43.501 novos profissionais. Destas 34% são públicas e 66% privadas. Só nos últimos cinco anos foram iniciados 93 novos cursos, acumulando 8.543 novas vagas. Mas existem mais números desanimadores, são apenas 3,87 leitos do SUS por aluno (o recomendável é maior ou igual a 5) e 2,23 alunos por equipe de Saúde da Família (o recomendável é menor ou igual a 3). Neste contexto o número de hospitais de ensino é irrisório, apenas 178, nestes espera-se que sejam referência como centros de formação e ensino, dedicados aos atendimentos em procedimentos de maior densidade tecnológica portanto, maior complexidade.
Importante destacar que o Brasil já atingiu a taxa de 2,81 médicos/1.000 habitantes, de acordo com os dados de abril de 2024, já igualado ao Canadá e superior aos Estados Unidos.
Sabedores que a imensa maioria dos cursos de medicina são privados e que existem hoje valores astronômicos de mensalidades, podemos partir de uma premissa simples. Um curso cuja mensalidade esteja em 12 mil reais custará ao final de 12 semestres ao graduado o valor de 864 mil reais. De onde será tirado este recurso? Fies, financiamento bancário, financiamento das próprias escolas? Qualquer que seja a origem o valor está muito acima da capacidade de endividamento da imensa maioria das famílias brasileiras. Mas, não viremos as costas para os diversos cursos públicos que estão sendo lançados e/ou ampliado o número de vagas, onde também se inserem alguns cursos privados.
Considerando ainda que há efetivamente diversos cursos sem estrutura mínima para ensinar as cadeiras clínicas, estaremos diante de uma geração em números incontroláveis de pessoas “subinformadas” tecnicamente, cientificamente e eticamente e endividadas formando um excelente “caldo de cultura” para a má prática da medicina com repercussões sistêmicas sobretudo para a população que depende exclusivamente do SUS.
Esperar o controle estatal no atual estágio é utópico. A Lei Nº 12.871/2013, que instituiu o Programa Mais Médicos prevê, i) para a pré-seleção a existência no município de no mínimo atenção básica, urgência e emergência, atenção psicossocial, atenção ambulatorial especializada e hospitalar e vigilância em saúde; ii) para a autorização o Ministério da Educação deve exigir a existência de unidades hospitalares com certificação como hospitais de ensino, com residência médica em no mínimo 10 (dez) especialidades ou mantenham processo permanente de avaliação e certificação da qualidade de seus serviços; iii) avaliação periódica, acompanhamento e monitoramento da execução da proposta vencedora ao chamamento público. Efetivamente o estado brasileiro não está cumprindo a lei criada pelo próprio executivo.
Daí a necessidade da aplicação de critérios para autorização desses milhares de egressos de cursos que não detêm a qualificação mínima para ensinar medicina. Para qualquer modificação no status quo existe e sempre existirá críticas e isto é saudável sob o ponto de vista de enxergar a democracia como campo de encontro de ideias divergentes em busca do melhor caminho para a sociedade. Mas a leitura atenta, percuciente e cuidadosa do PL n° 2294/2024, projeto com tramitação bicameral, deverá acalmar alguns pensamentos preocupados com os egressos dos cursos de medicina, isto porque o inciso II do artigo 2º dispensa da realização do exame de proficiência aqueles estudantes que tenham ingressado em curso de graduação em Medicina, no Brasil, em data anterior a de entrada em vigor desta Lei, que ocorrerá após o vacatio legis de um ano, garantindo desta forma o direito adquirido.
Outra preocupação estampada por alguns é a possibilidade do surgimento de cursos preparatórios para o exame de proficiência. Ora, a tendência, se existir, acompanhará os cursos preparatórios para os concursos à residência médica surgidos para cobrir a lacuna deixada pelo ensino da medicina.
O que se quer e deseja, objetivo da boa prática médica, é oferecer atendimento de qualidade, garantindo segurança aqueles que necessitam do médico. “In dubio pro societate” em favor da ordem jurídica e do interesse público.
Um artigo do Cons. José Abelardo de Meneses